Chegou a sexta-feira - Bebedeira e pegação, assim diz a canção.
Algo importante a considerarmos são as letras das músicas que ouvimos. A música tem uma importância muito grande para os humano (e para outros seres também), mas no caso humano, tem o poder de até influenciar nossos comportamentos. Criar, fazer e ouvir música faz parte desde os primeiros homens. A música, mexe com nossas emoções e consegue nos envolver, gera os convívios e estão muito presentes na vida da grande maioria das pessoas, me arriscaria dizer que em todas, pois creio que não há uma pessoa que ainda não ouviu músicas, até mesmo antes de nascer, pais colocam músicas para o feto ouvir e isso tem um efeito terapêutico maravilhoso.
Mas a música, essa tão bela arte, que pode nos influenciar para as coisas boas, ser terapêutica, ser entendida com uma maravilhosa criação divina, nas mentes de alguns criadores podem gerar resultados danosos e perigosos, através das suas letras.
Nas rádios, as músicas são produtos a disposição de consumidores e como ofertante de um produto, o vendedor pode selecionar os produtos que disporá aos seus consumidores e nesse meio consegue facilmente influenciar a demanda.
Essa semana numa rádio local, ouvindo os noticiários a caminho do trabalho, acompanhei por alguns momentos algumas falas de locutores e a interação de alguns ouvintes sobre um tema que entendi ser sobre o mal comportamentos de alunos, a educação na escola, a responsabilidade e a educação dos pais e afins. Essa situação me intrigou pois as opiniões eram de que algumas pessoas não saberiam comportar-se ou educar filhos e isso geraria violências e agressões. Não pude dar continuidade em ouvir mais da programação devido o horário e o dever do trabalho, mas deu para entender o viés das conversas.
Interessante pensarmos na antagonia das situações quando falamos em comportamento pois vivemos numa cultura que permitimos que alguns elementos externos convivam diariamente em nosso meio, fazendo com que esses elementos possam até influenciar direta ou indiretamente para situações posteriormente de problemas que poderiam ter sido evitados.
Uma dessas influencias externas são as músicas e uma outra influência que é o poder da mídia em reproduzir repetidamente algumas músicas.
Há uma responsabilidade grande por parte da mídia, em questões de influenciar comportamentos e no caso das músicas que se tocam principalmente em rádios AM´s e algumas FM´s, é interessante quando se percebe essa influência através de músicas onde a grande maioria das então tidas como "sucesso" exaltam a "bebeira" (beber tudo que puder mesmo) e a "pegação" (tanto com relação a mulher como com relação ao homem), a bebida alcoólica tomada em excesso é colocada como o procedimento mais divertido, ajuda a mostrar aos ouvintes que o ato de beber em excesso é natural. Exalta-se diariamente e constantemente em coro refrões de : "vou beber todas", "vou pegar todas(os)".
Nessa mesma rádio citada, numa determinada interação, um dos ouvintes pergunta aos locutores "e os goles?", no que recebe a seguinte resposta dos radialistas: "Ahhh, isso só sexta feira", "depois das 5" complementou o outro.
É interessante que além das músicas tocadas diária e repetidamente com esse conteúdo, há os comentários dos radialistas incentivando, as vezes em tom de brincadeiras, a bebedeira e a pegação e como eles dizem, como se isso fosse a melhor opção e isso se dá com mais ênfase nas sextas-feiras como se fosse a melhor opção a se ter nesse dia ou no final de semana que se aproxima.
Cito aqui apenas alguns exemplos de músicas que ouvi numa rádio local, na manhã de sexta-feira num intervalo de aproximadamente 20 à 30 minutos, todas com letras enaltecendo as bebedeiras e as pegações.
"Eu te amo sexta-feira.Não te troco por nada.E pra melhorar.Eu vou beber,Desce cachaça" (Eu te amo sexta feira - Zé neto & Cristiano)
"Se não tiver pinga pra mim não tem graça.Se tem pinga eu to.Então desce cachaça.Não deixa faltar no meu copo,hoje eu vou entortar.Vai fazendo os contatos.Sem muié fica chato e se quiser uns corpos a mais. Chama que o PPA traz.Tamo chegando com as novinha. Nois traz os corpo, cê traz a pinga.Tamo fechado,não vai prestar. Antony e Gabriel com PPA Vai ser loucura,essa mistura.Vai rolar de tudo.Pinga e pegação" (Pinga e Pegação - Antony & Gabriel)
“Fim de semana é dia, então me solta que quero beber. Hoje acordei solteira, então me solta que eu quero beber.Ninguém morre de amor.então me solta que eu quero beber. Me solta que eu quero beber, me solta que eu quero beber. Eu fiquei triste a semana inteira.mas até que fim chegou a sexta-feira.Ei galera, vamos beber!" (Me Solta Que Eu Quero Beber - May & Karen)
“Nem vem que ontem acabei bebendo além da conta. e toda vez que fico de cabeça tonta, não lembro de nada eu quero viver solteiro amando só se for a vida" (Bêbado não sabe o que Faz - Tchê Garotos)
..."Cansei da mesmice.Da gente brigando igual todo casal. Pra você era tudo normal, pra mim não era nada legal.Larguei as amigas, mudei minha vida, deixei de passar o natal com a família.E você como tá? Tá na mesma rotina.Enchendo a cara, se afogando na pinga. O tal do ex é desgramado.É só beber que liga todo apaixonado.Se declarando falando tudo embolado" (O tal do ex - Mariana e Mateus)
Além dessas ouvidas, lembrando e motivando aos ouvintes que hoje é sexta-feira e por isso é o dia de “beber todas”, há várias outras músicas tocadas diariamente com o mesmo conteúdo, a citar como exemplos:
"...Abre o brete, solta o bicho.Deixa levantar poeira.Bate palma e dá um grito.A galera da bebedeira.É bebedeira, é bebedeira.É só zoeira, é só zoeira.Toda festa de peão.É curtição, azaração.É mulherada de primeira…”. (Bebedeira - Rick e Renner)
"...Meu deus do céu aonde é que eu tô? Alguém me explica, me ajuda por favor? Bebi demais na noite passada. Eu só me lembro do começo da balada. Alguém do lado aqui na mesma cama. Não sei quem é mas tá dizendo que me ama. Cabeça tonta, cheirando cerveja.O som no talo só com moda sertaneja... " (Munhoz e Mariano - Balada Louca)
"Tô escorada na mesa,confesso que eu quase caí da cadeira.E esse garçom não me ajuda, já trouxe a 20ª saideiraJá viu o meu desespero e aumentou o volume da televisãoSabe que sou viciada e bebo dobrado ouvindo um modão" (Dez Por Cento - Maiara e Maraisa)
"Eu tenho um amigo que é de longa data. Etnia polaco, apelido: Vermeio..Tem muitas qualidades esse meu parceiro.Trabalhador, bom de briga e fiel companheiro.Tá sempre preparado pra toma uma canha.Não é de fazer manhã.quando o papo é trago.O defeito do polaco que ele tá se viciando.Todo lugar que ele vai o home fica perguntando.E o gole? Que hora que dá de toma.Carma polaco nóis já vamo liberá.E o gole? Que hora que dá de toma Carma polaco nóis já vamo liberá.O defeito do polaco que ele tá se viciando.Todo lugar que ele vai o home fica perguntando. E o gole?"
"...Pior que a pergunta do polaco tá pegando. Em todo canto que eu ando, o povo tá falando assim. E o gole?" (E o gole - Grupo Marcação)
Nesse ultimo exemplo citado, percebe-se pela letra da música que "tá pegando" porque o "povo tá falando assim", ou seja, há sim uma influência pois o que é ouvido, cantado e nesses casos repetidamente, fica registrado e essas são as influências que podem vir a ser prejudiciais.
O interessante e intrigante é que, nessas mesmas mídias, que principalmente nas sextas-feiras propagam, enaltecem e enobrecem o consumo excessivo do álcool através das músicas de "sucesso", na segunda-feira cedo começa a veiculação dos noticiários chamando atenção principalmente aos fatos ocorridos no final de semana e não é raro ouvir, as vezes dos mesmos radialistas que lá estavam na sexta-feira: "essas desgraças acontecem é porque o pessoal bebe demais final de semana" ou "as pessoas bebem e ai perdem o juízo" ou "muitos álcool no final de semana", com tom de voz de indignação, frases essas que já ouvi algumas vezes nos noticiários de segunda-feira.
Há uma relação entre o que se ouve, a convivência que temos e o estilo de vida que se leva e isso também se traduz em situações de violência e falta de educação. Pois é fato, ou não, que uma pessoa alcoolizada pode fazer coisas erradas? Então quando no inicio desse artigo citei sobre as conversas na rádio entre radialistas e ouvintes, não é de se admirar que em muitos desses casos, algumas pessoas podem ter como normal o fato de admirar e ter em seu reportório favorito, músicas que enaltecem o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e talvez pela convivência e estilo de vida que tem, ficam expostas e vulneráveis a outros comportamentos.
Influência (o que você ouve),
Convivência (com quem você está) e
Estilo de vida (o que você acha normal).
Assim, as mídias ofertando diariamente e principalmente nas sextas-feiras influências musicais nesse nível, conduzem as pessoas a terem convivências com outros que acham tudo isso normal e se traduzem em estilo de vida. Porque hoje é sexta-feira, chegou o final de semana e podemos exagerar, podemos beber todas, está tudo liberado e outras possíveis convicções.
O alcoolismo é uma doença incurável, progressiva e fatal e afeta milhares de pessoas direta e outras milhares indiretamente. Esse enaltecimento e promoção diária ao consumo excessivo de álcool pode influenciar o consumo e o comportamento das pessoas, levando a crer que esse é um comportamento normal da sociedade, e assim temos presenciado o aumento de casos de violencia, o aumento de acidentes de trânsitos envolvendo o ato de beber e dirigir, o aumento de casos de pessoas precisando de tratamento para o alcoolismo e tantas outras situações.
O custo social que temos pelo fator alcoolismo é muito alto e precisamos da conscientização e ação das mídias de massa para que não influenciem ainda mais esse grave problema.
Há muitas outras opções a se ter não só durante a semana mas também finais de semana, onde o álcool não precisa ter local de destaque. Mas caso perceba que para você a balada para ter diversão, o consumo do álcool tenha que ser como diz as letras dessas músicas, reveja, pois pode ser um sinal de perigo a sua vida e de outros(as).
Também há muitas outras opções de músicas com letras mais inteligentes e divertidas e há outras opções de rádios.