Testemunho Arsanjo
- arsanjopaul
- 22 de fev. de 2011
- 7 min de leitura
A.C. Como vários outros garotos, cresci no centro de Jaraguá do Sul, cercado de muitos amigos e com muitas aventuras. Pela ausência do pai devido ao trabalho no ramo de lanchonete o que tomava todas suas noites e finais de semana, a permissividade excessiva por parte dele me levou por caminhos que não deveria ter seguido. Sempre frequentando a mesma escola particular, conseguia amizade fácil. A curiosidade e a oferta dos amigos, aos 14 anos de idade foi o inicio da historia com as drogas. Meu pai tinha uma frase pronta “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, isso nunca funcionou. No inicio foi com o uso de clorofórmio conseguido em farmácias locais (quando ainda vendiam esse produto) o “barato” acontecia eventualmente nas tardes em casa de amigos e em festinhas que não passava de uma brincadeira de garoto. Depois em algumas ocasiões foi me apresentado a cola de sapateiro, o que deixava um gosto muito ruim e não topei. O álcool era usado esporadicamente também nas festinhas de finais de semana em casas de amigos e a maconha era um cigarro meio estranho que nunca me atraiu. Na época era permitido o acesso de menores em casas noturnas do centro da cidade e os encontros de “esquenta” sempre se davam em estacionamentos de estabelecimentos comercias das principais ruas da cidade, na época o uso de veículos por menores também não tinha uma fiscalização tão intensa quanto hoje e os perigos não pareciam tão graves, por isso todos os finais de semana, mesmo sendo menores de idade, saímos com o carro ou a moto do pai. Nas rodinhas, sempre sabíamos quem tinha droga e o que usavam. Até que um dia aproximadamente aos 16 anos, numa noite dentro do carro, um amigo apresentou a cocaína. Falava do grande “barato” que era aquilo e tudo confirmado por mais um outro amigo que estava junto, não pensei muito para poder experimentar o que estava a minha frente e foi “amor a primeira cheirada”. Que delicia, nunca havia provado algo tão bom. Após o primeiro uso, fomos a uma festa e curti a noite toda sem parar, era só alegria. O uso começou esporadicamente quando saímos nos finais de semana e não havia tanto problema se por acaso num final de semana não tivesse a droga. Quando queríamos, íamos a Joinville ou Itajaí buscá-la. E assim foi por vários anos. O uso foi ficando cada vez mais frequente porque era muito bom e comecei a faltar no trabalho e estudando a noite, reprovei dois anos consecutivos. A galera já sabia que eu usava e comecei a me afastar das pessoas legais para ficar com meus “amigos”. Como trabalhava conseguia sustentar o uso, também comprávamos um pouco a mais e revendíamos aos mais “chegados”, juntávamos dinheiro nos finais de semana e conseguíamos boas quantidades da droga para curtirmos. Em 1992 conheci uma pessoa, 3 anos mais tarde casamos, tivemos um filho, após isso procurei ajuda num psiquiatra para resolver o problema da cocaína, mas a surpresa foi que ele disse “que de vez em quando não fazia mal” e era tudo o que eu queria ouvir para poder continuar a usar. Sei que foi uma opinião bem infeliz daquele profissional que fez com que me apegasse mais ainda a essa “desculpa”, afinal eu não era um viciado, apenas usava. Com o passar do tempo o consumo foi aumentando, não tinha mais dinheiro, tive que vender carro, casa para conseguir sustentar o vicio e as situações começaram a piorar. Fiz uma desintoxicação e tratamento com remédios, mas foi em vão pois minha vontade de usar era maior. A situação em família estava ficando insustentável. Muitas vezes, deixei a família para ficar com amigos e a droga. Num ano, no natal, usei droga o dia todo e a esposa e o filho passaram a noite de natal sozinhos na sala e eu trancado no quarto usando drogas, isso foi torturante. Em 1998 procurei tratamento numa comunidade terapêutica, fiquei por 30 dias e quanto achei que “já to bom” sai pensando que tinha resolvido o problema, comecei a frequentar a igreja por “desencargo de consciência” junto com a esposa e o filho iniciamos uma nova vida, mas continuei com as mesmas amizades, afinal amigos não podem ser desprezados, era o que eu pensava. Após 06 meses um amigo falou-me “faz tanto tempo que um pouquinho só não irá ter problema” e eu cai na armadilha do “só um pouquinho”. O inferno voltou e muito pior. Naquela época já tinha uma empresa e frequentava também algumas rodas sociais. Com o abuso da cocaína, perdi a empresa e o respeito. Voltei a trabalhar de funcionário numa empresa na cidade vizinha, pegava ônibus para ir trabalhar e nunca tinha dinheiro para a família, pois o boa parte do salario ia para as drogas, fazia empréstimos e nunca dava nada certo, pois o dinheiro já tinha destino certo. Cansei de ir a Joinville sozinho para comprar cocaína e usando a droga dentro do carro em dias sem dormir, mas uma coisa era muito estranha, como conhecia a Deus, muitas vezes fui orando para que Ele me tirasse daquela situação, chorava dentro do carro sozinho. Algumas vezes parava o carro, sozinho, clamava a Ele para que tudo isso terminasse ali, pensei em suicídio muitas vezes durante o uso pois não queria aquela vida para mim, mas a droga era mais forte. Numa vez, após 2 dias direto de uso tive uma overdose e parei num hospital de Joinville, junto comigo estavam mais 2 “amigos” que simplesmente me abandonaram e vieram embora sem nunca perguntar depois como estava ou o que tinha acontecido. Esses são os “amigos da droga”. Em 2002, após ir sem o conhecimento e consentimento da família para um show em SP onde foi fretado um ônibus de Jaraguá do Sul só com usuários de drogas, na volta o casamento desmoronou. Naquele dia nem o aniversário da minha mãe eu fui pois estava entorpecido. Ao voltar, houve a separação e sozinho sem família, cai na real do que tinha feito. Não tinha mais saídas. Algumas pessoas da igreja, o pastor e um tio vieram me visitar e propor um tratamento aceitei na hora pois não via outra alternativa para minha vida, mas não fomos naquele dia, passou uma semana, usei mais uma vez durante dois dias seguidos e quando cheguei em casa vieram me buscar e levaram imediatamente ao tratamento.
D.C. Fiquei interno 06 meses no Cerene em Blumenau, uma comunidade terapêutica onde conheci verdadeiramente a Deus e vivi em família. Lá havia algumas famílias com seus filhos e aprendi a valorizar a quem se ama. Recebia a visita dos meus pais e do meu filho. Naquele local havia na entrada uma placa com o seguinte versículo “Deus faz que o solitário viva em família; liberta os presos e os faz prosperar; mas os rebeldes habitam em terra árida” – Salmo 68:6.
Sempre acreditei nesse versículo, mas não conseguia o ver em minha vida. Cumpri o tratamento e sentia no coração que deveria fazer algo para que as pessoas não caíssem na mesma armadilha que eu havia caído. Na época iniciou-se um curso para agentes comunitários em substancias psicoativas, vinham pessoas de vários lugares do país e eu fui o primeiro interno a fazer o curso mesmo internado, a vontade de aprender sobre o que me aprisionará era grande. Voltei a Jaraguá, retomei o trabalho e naquele mesmo ano no mês de novembro iniciamos os trabalhos do GAMA - Grupo de Apoio Mãos Amigas. No inicio vinham algumas pessoas e ouvi o comentário de uma voluntária “será que dá certo” no que retruquei: “ se ficarmos 50 anos aqui, toda semana e conseguirmos ajudar uma pessoa, já deu certo”. No ano seguinte consegui montar minha empresa novamente. Em 2005 Deus me presentou colocando em minha vida uma pessoa muito especial com a qual vim a casar e temos juntos, três lindos filhos. Se alguém me falasse lá em 2002 que um dia eu teria uma esposa maravilhosa e uma família abençoada eu diria que era loucura. Mas hoje, com a graça de Deus, vivo em família, como diz o salmo 68:6, procuro ser um pai e um esposo presente e participativo e mesmo diante das lutas e adversidades sempre permanecemos unidos e fiéis um ao outro. Temos o hábito de orar com nossos filhos e agradeço todos os dias ao Senhor por ter me tirado de um mar de lama e colocado na Rocha. Frequentamos a igreja e tenho certeza que nossos filhos estão conhecendo os caminhos do Senhor e queremos incentivá-los sempre a permanecer neles.
Durante esses anos, junto com outros irmãos, conseguimos com a graça de Deus ajudar muitas pessoas encaminhando a tratamento, aconselhando e ajudando a familiares, também busquei capacitação na área da dependência química e fiz contato com autoridades nacionais na área. Participamos de movimentos para tirar a propaganda do álcool na TV (ACCA). Estivemos com o secretário nacional de políticas sobre drogas e adquirimos muito conhecimento. Em 2009 fomos convidados a participar da diretoria da Associação Beneficente Novo Amanhã onde atualmente sou o tesoureiro. O Novo amanhã é uma comunidade terapêutica de Jaraguá do sul, que atende a pessoas do sexo masculino acima de 18 anos. Em 2009 fomos convidados a participar do COMEN – Conselho Municipal de Entorpecentes como representante das entidades religiosas e em 2010 fomos convidados a assumir a presidência desse importante Conselho onde permaneço até hoje e junto com outros conselheiros traçamos diretrizes e políticas públicas sobre questões que envolvem as drogas em nosso município. Estamos participando também do Fórum Catarinense de Comunidades Terapêuticas.
Em 2010 surgiu no coração a vontade de “profissionalizar” os trabalhos de ajuda voluntária que fazíamos e junto com alguns irmãos formamos a ABVN-Associação Beneficente Vida Nova.
Hoje buscamos recursos para construir a Comunidade Terapêutica que atenderá até 20 jovens num programa BIO-PSICO-SÓCIO-ESPIRITUAL. Colocamo-nos a disposição para proferir palestras em escolas, igrejas, empresas e onde for preciso.
Maiores informações sobre a ABVN podem ser obtidas no site http://www.abvn.org.br
Quero aqui honrar o nome do Senhor que faz toda a diferença na minha vida, não posso mais viver sem Ele e para Ele, pois tudo que tenho e tudo que sou foi Ele quem em deu. Agradeço minha esposa e meus filhos que me apoiam em tudo que faço e estão sempre ao meu lado.
Deus, Família e envolvimento com a causa, esse é o segredo para minha abstinência.

Arsanjo Paul Colaço
A.C / D.C. (AC/DC = Antes de Cristo / Depois de Cristo)
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